sábado, 12 de fevereiro de 2011

Descoberto, algoz de amigo de Dilma reluta em revelar segredos do pior centro de torturas montado pela ditadura


12/02 às 20h44 Chico Otavio e Thiago Herdy

RIO e BELO HORIZONTE - Em poucas frases, doutor Ubirajara destila o azedume. Para não revelar o que sabe, alega que está morrendo, vencido por uma moléstia grave. Reclama de um suposto dedo-duro, prometendo "rezar por ele, pela maldade que fez" ao delatar o seu paradeiro. E arremata a conversa com sarcasmo:

- Se alguém atirar em mim, estará me fazendo um favor.

Aos 74 anos, os cinco últimos dedicados a enfrentar um câncer de próstata, o ex-sargento do Exército e advogado Ubirajara Ribeiro de Souza rechaça, agoniado, a chance de revelar um segredo que carrega há quatro décadas: o destino de Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, amigo e ex-comandante de Dilma Rousseff nos tempos em que a presidente da República era militante da VAR-Palmares, organização da luta armada atuante no início dos anos 1970.

Listas de entidades de direitos humanos apontam o ex-sargento como um dos torturadores do pior porão montado pelo regime militar: a "Casa da Morte", em Petrópolis.

Por ter sido, como a vítima, jogador de basquete em Belo Horizonte, no início dos anos 1960, Ubirajara teria sido reconhecido por Beto na "Casa da Morte", aparelho supostamente montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE), naquela época, para torturar e eliminar os principais líderes da guerrilha urbana, considerados irrecuperáveis. O comandante da VAR teria sido assassinado ali em 1971.

O episódio da identificação do torturador ficou conhecido por causa do depoimento da única sobrevivente da casa, a também ex-militante da VAR e mineira Inês Etienne Romeu. Em 1980, ela contou à OAB que o sargento-jogador, reconhecido por Beto, usava no cárcere do CIE os codinomes "Zé Grande" ou "Zezão".
Ex-sargento advoga hoje para a família militar

Quarenta anos depois, o enigma sobre "Zé Grande" chega ao fim: ele é hoje doutor Ubirajara, advogado formado em 1974 (quando a repressão mais sangrenta perdia a força), que trabalha e vive no Rio. Sua clientela foi amealhada no meio de onde saiu: militares da reserva e viúvas que se sentem credores de algum benefício das Forças Armadas.

No momento em que o Ministério Público Federal retoma as investigações sobre a "Casa da Morte" e o paradeiro das vítimas em cemitérios da Região Serrana, a localização do ex-sargento é um alento para os que nunca perderam a esperança. Se o Brasil amarga até hoje uma lista de 146 desaparecidos, é plausível dizer que o destino final de parte do grupo (não existe um número exato) tenha sido Petrópolis.

Beto está na lista. Há um ano, quando o PT formalizou o nome escolhido para disputar a sucessão de Lula, Dilma fez um discurso emocionado, no qual homenageou os companheiros que haviam perdido a vida na luta contra o regime militar. Citou três nomes. Um deles, de seu ex-companheiro na VAR: "Beto, você ia adorar estar aqui conosco."

Carlos Alberto desapareceu no dia 15 de fevereiro de 1971, depois de descer de um ônibus na esquina das avenidas Nossa Senhora de Copacabana e Princesa Isabel. Provavelmente capturado pela repressão no mesmo dia, teria seguido para a "Casa da Morte" por ser considerado um "subversivo irrecuperável".

Inês Etienne, ao descrever os 15 carcereiros responsáveis pelos suplícios que sofreu em Petrópolis, de maio a agosto de 1971, impressiona pelo rigor dos detalhes, dos nomes, das características físicas. De sua memória, o sargento Ubirajara é revelado para a História: "Alto, mais de 1,90 metro, mineiro, preto, ex-jogador da seleção mineira de basquete, ocasião em que era sargento do Exército."

A descrição é precisa. Anos antes da barbárie, os ombros largos, braços fortes e quase dois metros de altura davam a Ubirajara, o Bira das quadras, o inevitável apelido de "guarda-costas" dos colegas do Ginástico Esporte Clube e da seleção mineira dos anos 60.

Nos jogos regionais de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, um desentendimento entre jogadores do Ginástico e do time adversário transformou-se em briga generalizada. O principal protagonista da ocasião, ninguém esquece:

- Pô, vai querer mesmo encarar o Birinha? - dizia Ubirajara aos adversários, arreganhando os dentes e dissipando qualquer indisposição entre os atletas.

Quem conta o caso é o técnico do time, Humberto Ladeira, responsável por apresentar o esporte ao jogador quando Bira ainda morava no Mato da Lenha, favela da região Oeste de Belo Horizonte.

Bira tinha pouco mais de 20 anos e era levado de carro para casa todos os dias pelo técnico, depois do treino. A dedicação à equipe de basquete durou pouco tempo, porque não foi mais possível conciliá-la com a carreira que ele iniciava no Exército.

- Ele foi meu pupilo, jogou uns cinco anos, mas depois foi servir em Juiz de Fora. Logo entrou para a Polícia do Exército (PE) - conta Ladeira, que, mesmo distante, nunca perdeu o contato com o ex-jogador, que até hoje o chama de "pai branco".
Bira contou ao técnico que atuou na "Casa da Morte"

Ladeira nunca deixou de receber cartas de Ubirajara, onde ele lhe contava as novidades. Da ascensão de cabo a sargento, passando pela entrada no Serviço Nacional de Informação (SNI), o trabalho como guarda-costas de autoridades e a convocação para trabalhar na "Casa da Morte".

Mesmo servindo no aparelho que ficou conhecido como aquele de onde nenhum militante da luta armada saía vivo, ao treinador ele não deixava transparecer a violência do seu trabalho, pelo contrário.

- O Bira foi da repressão, mas salvou muita gente. Teve uma moça lá em Petrópolis mesmo que ele salvou. Ele me escreveu uma vez e falou comigo disso - conta Ladeira, que diz não ter guardado as cartas do "filho preto".

Embora confidenciasse a Ladeira suas ações, Bira pedia ao ex-técnico que não contasse detalhes aos colegas.

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