Natural de Lins (SP), Hiroaki Terigoe foi militante da ALN (Aliança Libertadora Nacional) e do Molipo (Movimento de Libertação Popular), e participou de ações armadas contra a ditadura. Era um dos nomes mais procurados pela repressão em São Paulo.
Ustra recusa convite para depor em Comissão da Verdade de SP
A versão oficial para a morte de Torigoe, na época, foi a de que o estudante sofreu ferimento em troca de tiros com agentes da repressão na rua Albuquerque Lins, no bairro de Higienópolis, e morreu a caminho do hospital.
Mas a morte do estudante só foi divulgada duas semanas após o ocorrido, e Torigoe foi enterrado no cemitério Dom Bosco, em Perus, sob o nome falso de Massahiro Nakamura.
Ana Carolina Fernandes-9.out.08/Folhapress |
Carlos Alberto Brilhante Ustra, no Clube Militar em 2008 |
Na denúncia, os procuradores contestam a versão oficial e afirmam que Terigoe foi levado ainda com vida para o DOI-Codi, onde foi interrogado e torturado. A acusação é baseada no depoimento de duas testemunhas --André Tsutomu Ota e Francisco Carlos de Andrade-- que estavam presos no DOI-Codi naquela data.
Os procuradores afirmam ainda que, de acordo com as testemunhas e um documento do Arquivo Público de São Paulo, os agentes responsáveis pela prisão de Terigoe sabiam de sua verdadeira identidade. Mesmo assim, o estudante foi enterrado com nome falso, com o objetivo de dificultar sua localização.
Os autores da ação também citam depoimento de irmão da vítima, Shunhiti Torigoe, segundo o qual os subordinados de Ustra negaram fornecer informações a familiares da vítima, que foram o procurar no DOI-Codi antes do comunicado oficial de sua morte.
Até hoje, o corpo de Terigoe não foi localizado. A família tentou fazer a identificação dos restos mortais que estariam enterrados sob o nome falso de Nakamura, no cemitério de Perus, mas nenhum dos exames confirmou a identidade do estudante.
Esta é a primeira vez que o Ministério Público denuncia ex-agentes da ditadura pelo crime de ocultação de cadáver. Até então, as acusações eram de sequestro, uma vez que não havia provas da morte da vítima.
O caso de Terigoe é diferente, porque a morte dele foi confirmada em laudo necroscópico e atestado de óbito, mas seu corpo nunca foi encontrado, explica o procurador da República Sérgio Suiama, um dos autores da denúncia.
Segundo Suiama, o crime não está anistiado, uma vez continua em andamento. "A ocultação é um crime permanente, que só se exaure quando for localizado o corpo. Como até hoje não foi localizado, o crime ainda continua em andamento", disse.
ACUSAÇÕES
Ustra chefiou o DOI-Codi de 1970 a 1974. Na denúncia apresentada pelo Ministério Público, ele é acusado de sepultar clandestinamente o cadáver de Hirohaki Torigoe; de falsificar os documentos do óbito com o intuito de dificultar a localização do corpo; de ordenar a seus subordinados que negassem aos pais da vítima informações sobre seu paradeiro e de adiar a divulgação da morte em duas semanas, com o objetivo de ocultar o cadáver.
O delegado aposentado Alcides Singillo, que na época era delegado do Dops, é acusado de negar a correta identificação e localização do corpo à família da vítima e ao cartório de registro civil onde o óbito foi registrado.
Segundo a acusação, Singillo sabia da verdadeira identidade de Terigoe, pois colheu o depoimento do verdadeiro Massahiro Nakamura, que procurou a delegacia após a notícia de que Torigoe usava seu nome.
"Essa tentativa de destruir os vestígios, inclusive ocultando o corpo, foi bem-sucedida porque até hoje os restos mortais não foram encontrados", afirma Suiama.
A ação não trata, contudo, da autoria e detalhes sobre as circunstâncias da morte de Terigoe, que ainda estão em apuração pelo Ministério Público.
OUTRAS DENÚNCIAS
Ustra é réu em uma ação na Justiça Federal pelo suposto crime de sequestro qualificado contra o corretor de valores Edgar de Aquino Duarte, em junho de 1971.
Uma segunda denúncia do Ministério Público Federal contra Ustra --pelo desaparecimento do líder sindical Aluízio Palhano, em 1971-- não foi aceita, e a Procuradoria já afirmou que vai recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
OUTRO LADO
O advogado de Ustra, Paulo Alves Esteves, disse que seu cliente nega as acusações.
Paulo afirmou que, se há um atestado de óbito com nome falso, não estaria sob a responsabilidade de Ustra, que chefiou o DOI-Codi, mas seria uma competência do Dops.
A Folha não conseguiu localizar Alcides Singillo até a publicação desta notícia.
(PATRÍCIA BRITTO)
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