sábado, 15 de novembro de 2008

Presidente da Comissão de Anistia diz que lei não livra torturadores de punição

da Agência Folha

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), na carta que marcou o encerramento da 20ª Conferência Nacional dos Advogados, hoje, em Natal, declarou considerar uma afronta à Constituição a possibilidade de militares acusados de tortura durante o regime militar serem beneficiados pela Lei da Anistia.

"Anistia não é amnésia", diz a carta, lida ontem pelo ex-presidente nacional da OAB Hermann Assis Baeta.

A discussão sobre a extensão da Lei da Anistia foi levada pela própria OAB ao STF (Supremo Tribunal Federal), depois que a AGU (Advocacia Geral da União) deu um parecer em que considera perdoados os crimes de tortura cometidos no regime militar.

Para o presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, "não há nem uma linha sequer da lei" que dê margem a esse tipo de interpretação. "Há um entendimento político equivocado na leitura dessa legislação. Não há uma só linha que absolva criminosos torturadores."

Segundo ele, o Brasil, já à época do regime militar, era signatário de alguns tratados e convenções internacionais que impunham a imprescritibilidade dos crimes de tortura, o que deve ser levado em conta agora pelo STF em sua decisão sobre o assunto.

Entre as autoridades presentes ao encerramento da conferência da OAB, o único que demonstrou ser favorável ao mais amplo alcance da Lei da Anistia, que inclua os militares acusados de tortura, foi o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN).

"Acho que a Lei da Anistia sempre vai ser abrangente, se não for abrangente, ela não tem caráter de anistia."

Já o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), afirmou que em nenhuma hipótese o crime de tortura deve passar a ser prescritível.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Secretaria quer rever formação de militares

Montenegro apenas vai monitorar investigações sobre o caso do adolescente torturado

A Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República vai sugerir a reformulação na formação e no treinamento das Forças Armadas. A informação é do coordenador-geral de Combate à Tortura da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência, Pedro Montenegro. "Queremos que a formação profissional dos militares esteja de acordo com o olhar da Constituição de 1988. Hoje, as técnicas de tortura não são mais lecionadas como no passado, mas há um currículo oculto que não é ensinado, mas é praticado", disse Montenegro.

O coordenador defendeu que a inclusão nas academias militares de disciplinas como direitos humanos, cidadania e ética profissional poderiam levar ao "abandono de práticas históricas de tortura".

Ele disse que a mesma recomendação foi feita ao Ministério da Justiça em relação à Força Nacional de Segurança Pública no relatório final da comissão que acompanhou o caso dos três jovens do Morro da Providência, mortos em junho após serem entregues por uma guarnição do Exército a traficantes do Morro da Mineira.

O coordenador anunciou ontem que realizará apenas um monitoramento das investigações do Exército e da Polícia Federal sobre o caso do adolescente J.S.G., de 16 anos, que acusa cinco militares de espancamento, tortura e de atearem fogo ao seu corpo após ser flagrado na última quarta-feira fumando maconha em uma fábrica desativada do Exército, em Realengo.

"Não faremos nenhuma intervenção nas investigações. Não temos poder legal para isto", declarou Montenegro. Hoje, deputados da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio devem aprovar uma data para que seja convidado um representante do Exército, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e da SEDH.
Spray

Militares afirmaram que a versão apresentada pelo Inquérito Policial Militar pode apontar que o uso combinado de spray de pimenta e cassetete elétrico provocou a queimadura nos braços, nas pernas, no rosto e nas costas do adolescente. "Acreditamos que o laudo apontará que isso causou a queimadura", disse um coronel.

O advogado do adolescente, João Tancredo, disse que o cliente dele nega esta versão. "Pode até ser possível que esta combustão aconteça, mas meu cliente afirma com convicção que ouviu o fósforo sendo riscado e seu corpo queimou instantaneamente", disse. Segundo o advogado, "o jovem não teria motivos para mentir já que admitiu o crime de fumar maconha".

sábado, 8 de novembro de 2008

PT defende punição de torturadores da ditadura (Tribuna da Imprensa)

BRASÍLIA - O PT entrou ontem na polêmica sobre a Lei de Anistia e a punição a militares acusados de tortura durante o regime militar. O Diretório Nacional do partido aprovou, por unanimidade, uma nota em que defende a punição a torturadores.

"A Lei da Anistia de 1979 não beneficia quem cometeu crimes como a tortura nem impede o debate público, a busca da verdade e da Justiça", defende a legenda na nota. "Esperamos que o Poder Judiciário atenda aos reclamos das vitimas, especialmente dos familiares de mortos e desaparecidos", prosseguiu.

Na nota, o partido defende a atuação dos ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, favoráveis à punição aos torturadores. E rebate a crítica velada do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Dilma se disse favorável à punição de torturadores sob a alegação de que a Constituição tornou imprescritível o crime de tortura. Em resposta, Mendes afirmou que terrorismo também é um crime imprescritível. Dilma foi militante de um grupo armado que lutou contra a ditadura.

"O Diretório Nacional repudia os ataques difamatórios feitos por setores conservadores e antidemocráticos contra os companheiros Paulo Vannucchi e Tarso Genro no exercício do dever oficial de promover o debate público. Ainda, repudia os ataques e as tentativas de descaracterização da militância política dos companheiros Dilma Rousseff e Franklin Martins quando da legítima resistência ao regime ditatorial ao lado de outros milhares de perseguidos políticos", disse o partido na nota.

Jobim lembra que, segundo a Constituição, tortura não é passível de anistia

Vladimir Platonow
Repórter da Agência Brasil


Rio de Janeiro - O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse hoje (7) que a Constituição não prevê anistia para crimes de tortura. Jobim falou isso ao responder à imprensa se, na condição de jurista, achava que os crimes de tortura praticados durante o período da ditadura militar seriam considerados imprescritíveis, como defende o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi.

“Você perguntar a mim ‘enquanto jurista’ não existe esta pergunta. Existe uma pergunta sendo feita ao ministro da Defesa e que foi presidente do Supremo Tribunal [Federal, STF]. Lembre-se o seguinte, só dou esta observação: a Constituição Federal estabelece a imprescritibilidade dos crimes de racismo. O que a Constituição estabelece no artigo 5o é que os crimes de tortura e os crimes hediondos são insuscetíveis de graça e anistia. Então não é uma opinião minha, é uma leitura da Constituição”, afirmou o ministro.

Ele se referiu ao inciso 43 do artigo 5o, que estabelece: “A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

Jobim participou no Rio do encerramento do 8o Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, na Universidade da Força Aérea (Unifa), quando falou sobre o reaparelhamento das Forças Armadas.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Gilmar Mendes, Passarinho, terrorismo e tortura (Pedro do Coutto - Tribuna da Imprensa)

As surpreendentes declarações do ministro Gilmar Mendes contra a ministra Dilma Rousseff - "O Globo" de 4/11 - deixam o presidente do Supremo Tribunal Federal em posição desconfortável no episódio, sobretudo em face de sua falta de lógica. Incrível que um membro da Corte Suprema deixe-se levar pela emoção e por um engajamento intelectual completamente fora de quadro. O que disse a ministra-chefe da Casa Civil? Apenas que considera a tortura um crime imprescritível.

Ela fez a afirmação num contexto definido: a absurda defesa que a Advocacia Geral da União assumiu ao lado do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Não se trata, para início de conversa, de saber se aquele militar que serviu no DOI-Codi de São Paulo é culpado ou se está abrangido pela Lei de Anistia, Lei 6.683, de agosto de 79, sancionada pelo presidente João Figueiredo. Trata-se da improcedência da defesa pela AGU. Acusado por uma família paulista de tortura e seqüestro de seus filhos no passado, cabe a ele, exclusivamente a ele, Brilhante Ustra, se defender.

A ação é de foro privado. Não há explicação para a Advocacia Geral da União assumir a causa. Recebeu procuração do coronel? Não é possível. Contra tal atitude foi que a ministra Dilma se insurgiu. O argumento de que a tortura é prescritível ou não é menos relevante no caso específico. O argumento forte, este sim, é de que o poder público está assumindo uma defesa particular.

Falta lógica. O advogado geral da União, José Tofoli, deveria ter contido a iniciativa de integrantes da AGU a ele portanto subordinados. Não o fez. O próprio ministro da Justiça, Tarso Genro, condenou igualmente a postura da AGU. Tudo isso nada tem a ver com prescrição.

Aí entrou em cena o ministro Gilmar Mendes. Sem ser citado, ou chamado a debate, volta-se contra Dilma Rousseff, candidata do presidente Lula à sucessão de 2010, e diz que o terrorismo também é imprescritível. O que significam suas palavras? Usou a expressão "também". Logo, no fundo, acha que, de fato, a tortura não prescreve, da mesma forma que o terror ou a luta clandestina.

Ele desejou atingir a ministra, evocando o passado e a ação que desenvolveu no episódio do ataque à residência da sra. Ana Caprilione, em Santa Teresa, ao lado de um homem que se chamava ou chama Massfune, que desapareceu de cena ou da vida. Mas esta questão nada tem a ver com a opinião da chefe da Casa Civil. Dilma Rousseff não está sendo processada por ninguém. Mas Carlos Alberto Brilhante Ustra está. Uma família se uniu e se reuniu contra ele. Seu processo tramita na Justiça de São Paulo. Trata-se assim de algo material, concreto.

Nada existe contra Dilma Rousseff. A diferença de iniciativa e de processo é essencial no campo do Direito. O ministro Gilmar Mendes não pode desconhecer tal diferença. Ele é um homem da ciência jurídica. Sua responsabilidade é enorme. Sobretudo, porque não é apenas um ministro do STF, é o chefe do Poder Judiciário. Além do mais, uma coisa não elimina a outra. Alguém pode ser torturador, outro terrorista. O fato de alguém ter praticado terrorismo não elimina o fato de alguém ter praticado tortura e seqüestro.

Admitir o contrário é conduzir o debate moral e ético a porta de bares comuns. Pois é assim, inclusive, que torcedores discutem nas esquinas e nas calçadas episódios próprios dos jogos de futebol e a atuação de jogadores e árbitros. Este nível não pode ser o do presidente do Supremo.

Nem o da ministra Dilma Rousseff. Tampouco o do cenário político do País. No meio de tal questão, com um artigo no "Jornal do Brasil" de anteontem, emerge o ex-senador Jarbas Passarinho. Um dos signatários e incentivadores do terrível Ato Institucional Número 5, ex-ministro da Educação, do Trabalho e também da Previdência Social, sustenta, no contexto da tortura, que militares cumpriram seu dever combatendo os guerrilheiros e a luta clandestina. Ninguém está discutindo que os militares cumpram seu dever.

Inclusive o apelo minoritário à luta armada constituiu grave erro, principalmente porque deslocou o debate democrático para o plano do confronto impossível e à falta de solução. Cumpriram seus deveres. Mas entre tais deveres não se inclui obviamente a tortura. Passarinho refere-se à agressão armada comunista. Tudo bem. A questão não é esta. O tema é a tortura. O que de mais hediondo existe na face da Terra, como certa vez acentuou Nelson Rodrigues, numa entrevista a Villas-Bôas Corrêa e Antônio Carbone, publicada em "O Estado de S. Paulo".

Nelson Rodrigues era absolutamente insuspeito para condenar a tortura, já que nas páginas de "O Globo", na série "As confissões", sempre defendeu o regime político-militar de 64. Exagerou, inclusive. Tinha como alvos prediletos o pensador cristão Alceu de Amoroso Lima e dom Helder Câmara. Mas condenou a tortura como método repressor ou inquisidor. É verdade que reagiu assim depois da prisão de um de seus filhos.

Mas esta é outra questão. Nada tem com o compromisso moral que todos devem manter em relação à tortura. Seja ela no Brasil, na Rússia, em Cuba, em Guantánamo, no Iraque. Os torturadores podem até não ser condenados e se beneficiar da anistia. Sob o ângulo legal. Mas não sob o prisma moral. Neste caso, ela é imprescritível no tribunal da consciência humana.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Lula quer fim de polêmica sobre anistia (Tribuna da Imprensa)

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preocupado com a ampliação da polêmica sobre a aplicação da Lei da Anistia, que já chegou, inclusive, à Organização dos Estados Americanos (OEA), e quer que seus ministros parem de alimentar o debate pela imprensa. Lula quer evitar que seja aberta uma nova frente de criticas ao Brasil no exterior. Vez por outra o País entra na berlinda, questionado em foros internacionais por causa de denúncias de trabalho escravo ou de menores, além de problemas com índios.

Quando deixava Havana, na sexta-feira, Lula avisou que reunirá o secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, e o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, para que cheguem a um acordo sobre a interpretação da Lei de Anistia, editada em 1979.

A interpretação da lei gerou duas correntes dentro do governo. De um lado, estão os ministros da AGU e da Defesa, Nelson Jobim; para eles, a anistia foi ampla, geral e irrestrita - e não cabem novas discussões. De outro, estão Vannucchi e o ministro da Justiça, Tarso Genro; para eles, os crimes de tortura não foram beneficiados pela lei. E na semana passada juntou-se a eles a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para quem "os crimes de tortura são imprescritíveis".

Segundo essa corrente, a AGU teve uma interpretação "tecnicamente equivocada" ao redigir parecer afirmando que os crimes políticos e conexos praticados durante a ditadura militar (1964-1985), inclusive tortura, estão perdoados.

Na semana passada houve uma audiência pública em que o presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão Pires, relatou as ações do Brasil na área de direitos humanos e citou três das ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), cujo julgamento ditará a interpretação definitiva sobre a abrangência da lei de Anistia.

Como a posição definitiva do governo só poderá ser fixada após a decisão do STF, Lula quer que os ministros parem de alimentar a discussão em público. O STF deve tomar decisão sobre vários processos que tramitam na Justiça contra agentes do regime militar. Ainda não existe processo contra o Brasil na OEA, mas Lula quer evitar que o assunto ganhe eco no mundo e deixe o governo vulnerável se a questão for levada ao organismo. Mas será difícil manter o debate com baixa visibilidade.

Entre 17 e 19 de novembro ocorrerá, no Rio de Janeiro, o Seminário Latino-Americano de Justiça de Transição, que debaterá o assunto. Para Abraão, a polêmica só veio à tona agora por causa das ações que tramitam na Justiça, questionando a interpretação da Lei de Anistia. "Com isso, finalmente vamos passar pelo processo da Justiça de transição, comum em todos os países do mundo", afirma ele.