domingo, 24 de agosto de 2008

Ato em São Paulo pede a abertura dos arquivos da ditadura e respeito à memória das vítimas

Flávia Albuquerque
Repórter da Agência Brasil


São Paulo - Integrantes de seis movimentos populares realizaram hoje (24) um ato na capital paulista para homenagear mortos e desaparecidos políticos que passaram pelo antigo prédio da sede operacional do Departamento de Operações Internas-Centro Operacional de Defesa Interna (DOI-CODI), que funcionou na rua Tutóia, no bairro do Paraíso, na capital paulista, no período de 1968 a 1977.

Os manifestantes também pedem a punição de todos os que praticaram atos de tortura, além da abertura dos arquivos para que as famílias das vítimas descubram quem foram os responsáveis pelos atos contra seus parentes.

Segundo o responsável por um dos grupos organizadores do ato, Paulo Fávero Gomes e Silva, os grupos querem ainda mostrar que o espaço onde funcionou o DOI-CODI ainda existe e continua presente. Naquele local funciona hoje o 36º Distrito Policial de São Paulo, "em vez de deixar de ser da polícia e se tornar um museu da resistência e da memória para mostrar que foi aqui o espaço onde a tortura matou oficialmente 64 pessoas e mais de 500 torturados registrados”.

Fávero explicou ainda que o movimento foi idealizado por grupos integrados principalmente por jovens para que a nova geração conheça e fique atenta às questões históricas do país e que, na avaliação dele, estão sendo apagadas, "como se não conversando fosse resolver e sabendo que esse passado de tortura nunca deixou de cessar mesmo com o final da ditadura militar”.

Os grupos entregarão um manifesto às autoridades pedindo a abertura integral de todos os arquivos da ditadura; a recuperação de lugares que foram centros de torturas; políticas públicas para a recuperação da memória individual e coletiva e direito à justiça.

“Queremos ainda articular vários grupos que têm divergências do passado e pequenas divergências atuais para que consigamos fazer outras ações em busca desses objetivos”, disse Fávero.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Lei da Anistia não precisa ser alterada para punir torturadores, dizem procuradores

Bruno Bocchini
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - Procuradores Federais voltaram a defender hoje (14) a tese de que a Lei da Anistia não precisa ser alterada para que ex-comandantes do Exército sejam responsabilizados criminalmente por mortes, desaparecimentos e torturas ocorridas durante a ditadura militar. Para os procuradores da República Marlon Alberto Weichert e Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, os ilícitos cometidos pelos agentes do regime militar são imprescritíveis em razão de serem considerados crimes contra a humanidade.

"Todo o debate [sobre a abrangência da Lei de Anistia] é bem-vindo, mas acreditamos que ele está fora de foco. Não há menor necessidade de revisão da legislação e é perfeitamente possível se buscar essa responsabilização com arcabouço jurídico que temos hoje. A Lei de Anistia, pelo texto dela, é dirigida aos militantes políticos. Essa interpretação de que ela também serviria aos militares é apenas uma interpretação, e não há necessidade de nenhuma revisão", diz Eugênia Fávero.

A procuradora e Marlon Weichert são autores de ação cível, impetrada em maio, que pede à Justiça a declaração de que Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel - ex-comandantes do Destacamento de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna (Doi-Codi), do 2º Exército, em São Paulo - estiveram no comando de um centro de prisões ilegais, torturas, homicídios e desaparecimentos.

Em junho, os dois procuradores, que não são da área criminal, protocolaram representação interna no Ministério Público Federal para que outros procuradores da área penal abram procedimentos criminais contra dez autoridades da ditadura.

"O trabalho de investigação criminal precisa ter muita segurança com relação à autoria. Ou seja, o Ministério Público Federal só pode processar quando tem elementos fortes, veementes, de que há uma autoria identificada. Em alguns casos, isso já está bastante claro, bastante delimitado, porque houve ou investigações por parte do próprio Exército ou uma ação civil prévia que identificou esses autores ilícitos e outros casos não. Nós temos poucas notícias e aí é indispensável a abertura dos arquivos", cobra Weichert.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Crimes da ditadura são tema de painel em São Paulo

Da Agência Brasil

Brasília - O Núcleo de Eventos da Procuradoria da República em São Paulo promove hoje (14) o painel Crimes da Ditadura: Ainda é Jurídico Punir?. O debate será no auditório da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, às 16h30.

Os procuradores da República Marlon Alberto Weichert e Eugênia Augusta Gonzaga Fávero vão expor a tese de que é possível investigar e punir crimes praticados durante a ditadura militar.

Os dois são autores da ação civil pública que pede que os ex-comandantes do Doi-Codi de São Paulo, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Maciel, sejam declarados responsáveis por tortura e mortes naquele órgão.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Para Lula, mortos são heróis, e não vítimas (Tribuna da Imprensa)

Sem citar diretamente a polêmica sobre tortura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que estudantes e operários mortos devem ser tratados como heróis, e não como vítimas. "Toda vez que falamos dos estudantes e operários que morreram, falamos xingando alguém que os matou. Esse martírio nunca vai acabar se a gente não aprender a transformar os nossos mortos em heróis, não em vítimas", discursou Lula, em ato durante o qual assinou mensagem encaminhando ao Congresso projeto de lei reconhecendo a responsabilidade do Estado pela destruição da sede da União Nacional dos Estudante (UNE) e propondo uma indenização à entidade.

Lula disse que o Brasil não tem heróis. "A gente só lembra de Tiradentes. O Brasil tem muitas lutas importantes, mas nós não os cultuamos para dar valor ao que essas pessoas fizeram", disse. "Imagina se a Frente Sandinista (de Libertação Nacional) ficasse lamentando todos os que (Anastasio) Somoza matou? Imagina se o Fidel Castro ficasse lamentando todos os que o (Fulgêncio) Batista matou?", questionou o presidente.

O terreno na Praia do Flamengo, em que passou a funcionar um estacionamento, foi retomado pela UNE em 2007. A nova sede tem projeto de Oscar Niemeyer. "É importante que a UNE e a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) articulem um projeto de convencimento dos deputados e dos senadores. O dinheiro está no fundo do Ministério da Justiça. A gente não pode dar porque senão vão vir muitos processos contra nós", disse o presidente.

Num discurso feito em tom de campanha eleitoral, Lula agradeceu aos estudantes pelo apoio da UNE aos programas Universidade Para Todos (ProUni) e Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (ReUni).

"Não consigo entender a cabeça de pessoas de esquerda, eram contra o ProUni porque diziam que iria nivelar o ensino por baixo. A minha alegria é que, depois de quatro anos, qualquer avaliação que seja feita sobre o ProUni tem entre os melhores alunos, em todas as áreas, exatamente aqueles que são os pobres da periferia, que eram acusados de nivelar por baixo". Apesar de ter recebido o apoio da UNE nos seis anos de governo, Lula disse que sua relação com o movimento estudantil nunca foi de cooptação.

Na época de adesão ao Reuni, o presidente lembrou que quase todas as reitorias foram invadidas por alguns grupos de estudantes, a pretexto de que o governo iria colocar muitos alunos por professores. "Nós queríamos aumentar a média de 12 alunos para 18 alunos por professor. Alguém dizia: é demais, vai baixar o nível, o ideal é que tivesse apenas um por cada professor", ironizou o presidente.

Até o final do segundo mandato, em 2010, Lula anunciou a entrega de 214 escolas técnico-profissionalizantes, 10 universidades federais novas e 48 extensões universitárias, além de uma universidade latina e outra afro-brasileira. "Jamais iremos pagar o que os negros prestaram de serviços com dinheiro, vamos prestar com gestos, com solidariedade, com reconhecimento, como estamos fazendo com os quilombolas", disse o presidente.

Além de Lula e dos ministros da Educação, Fernando Haddad, e Saúde, José Gomes Temporão, discursaram o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, os governadores de São Paulo, José Serra (PSDB-SP) - que presidiu a UNE em 1963 e 1964 -, do Rio, Sergio Cabral Filho (PMDB), o ex-presidente da UNE em 1962, Aldo Arantes, a atual presidente da entidade, Lucia Stumpf, e o presidente da UBES, Ismael Cardoso.

Lucia lembrou que Lula foi o segundo presidente a visitar o local da sede da entidade, depois de João Goulart. "O gesto de hoje é carregado de simbolismo. Não foi à toa que a sede foi a primeira a ser atacada pelos militares", disse. Os candidatos à prefeitura do Rio Alessandro Molon (PT-RJ) e Jandira Feghali (PC do B-RJ) e de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT-RJ) estavam na platéia, formada principalmente por estudantes.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Lula tratará punição a torturadores como questão técnica e não política

RENATA GIRALDI
da Folha Online, em Brasília

No esforço de encerrar a polêmica em torno da responsabilização dos crimes de tortura do período da ditadura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva planeja adotar uma única estratégia. A Folha Online apurou que a idéia de Lula é levar a discussão para o debate técnico-jurídico afastando-o das questões políticas. Assim, na prática, o tema ficará restrito a especialistas e não mais a políticos e militares.

Para executar a tática, o desafio de Lula estará concentrado em duas cerimônias, que foram marcadas com antecedência, para amanhã --uma em Brasília e outra no Rio de Janeiro. Na primeira solenidade, no Palácio do Planalto, o presidente participa da solenidade de apresentação dos oficiais-generais das três Forças Armadas --Exército, Marinha e Aeronáutica.

Na cerimônia militar, Lula não deverá discursar, deixando que o ministro Nelson Jobim (Defesa) fale em nome do governo. Porém, deverá demonstrar estar à vontade e não pretende mencionar a controvérsia que colocou em lados opostos os militares e os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannucchi (Direitos Humanos) --os dois defendem a punição dos torturadores do período militar, enquanto integrantes das Forças Armadas reagiram à idéia.

Depois, à tarde, na segunda cerimônia, o presidente participa do ato que inaugura a reconstrução da antiga sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), na Praia do Flamengo, no Rio. Para demonstrar que a controvérsia em torno do assunto está superada, Lula evitou desmarcar o compromisso e deve indicar que a discussão é jurídica e técnica, não mais política.

Interlocutores do governo informaram que com esse discurso, Lula pretende por um ponto final na controvérsia. Também planeja conversar com Tarso para pedir que deixe o assunto para a AGU (Advocacia Geral da União), uma vez que há uma ação sob análise do órgão a pedido do MPF (Ministério Público Federal).

Na ação, os procuradores da República pedem que os militares reformados Carlos Alberto Ustra e Audir Santos Maciel, comandantes do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna) nos anos 70, sejam responsabilizados pessoalmente por desaparecimento, morte e tortura de 64 pessoas.

Por orientação de Lula, a AGU, que prepara o parecer para outubro, deverá aceitar a ação, assumindo que de fato houve crimes de tortura no Brasil no período militar. A iniciativa é inédita. Porém, paralelamente o presidente orientará Tarso e Vannucchi a não tratarem mais publicamente sobre o tema.

Tarso diz que revisão da Lei da Anistia é falsa polêmica

ELVIRA LOBATO
da Folha de S.Paulo, no Rio

Diante da informação de que os comandantes das Forças Armadas querem uma manifestação pública do presidente Lula de que não haverá revisão da Lei da Anistia --com vistas à punição de militares que participaram de tortura no regime militar--, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse ontem, no Rio, que a revisão da lei é uma "falsa polêmica".

Ele insiste que não propôs a revisão da Lei da Anistia, durante a audiência sobre crime de tortura realizada pelos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos, há dez dias. Na audiência, Genro e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) defenderam a punição de agentes públicos que participaram de tortura na ditadura militar.

Durante ato da campanha do candidato do PT à prefeitura do Rio, Alessandro Molon, ontem, em Ipanema, Genro disse que nem ele e nem Vannuchi pediram a revisão da Lei da Anistia. "Defendemos que tortura não é crime político. Essa interpretação de que queremos colocar militares nos bancos dos réus, que não sei de onde veio, transitou por blogs, espalhou-se pela imprensa e provocou uma situação de desconforto em determinados setores da reserva. A abertura de processos contra militares não foi tratada na audiência e não é da nossa competência", disse.

Segundo "O Estado de S. Paulo", comandantes das Forças Armadas pediram ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, que Lula faça uma declaração sobre o assunto, na terça, durante a apresentação dos oficiais-generais promovidos, no Planalto.

Genro evitou aprofundar a crise com os militares. Disse que Jobim "não só tem o direito, mas deve dizer o que quiser para seus comandados". Porém afirmou estar atento às demandas do Ministério da Justiça.

"A clientela do Ministério da Justiça são os filhos de pais desaparecidos, filhos que tiveram os pais mortos, pessoas que sofreram violência. Isso não é agravo a qualquer setor das Forças Armadas, até porque tratamos dos agentes públicos, e a maioria dos agentes públicos que cometeram violência foram das polícias dos Estados, requisitados pelos centros de operação militares", afirmou.

Para ele, a discussão da revisão da Lei da Anistia acende um contencioso que ajuda a proteger pessoas que cometeram ilegalidades e violência no regime militar. "Queremos que se encrave a concepção de direito de Estado de que tortura não foi, não é e não será crime politico."

sábado, 2 de agosto de 2008

Tortura provoca atrito entre ministros de Justiça e Defesa

Integrantes do governo Lula não se entendem sobre a proposta de punição de torturadores da ditadura. Um dia após o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, defenderem a condenação de militares torturadores, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, divergiu publicamente da posição dos colegas, defendeu o Exército e criticou a reabertura do debate: “A gente acaba discutindo o passado e não se preocupa com o futuro.” Jobim defendeu que a discussão saia do âmbito do Executivo e fique restrita ao Judiciário. Para ministros do Supremo Tribunal Federal, a lei de anistia brasileira não permite a punição de crimes cometidos durante a ditadura. Em resposta ao ministro da Justiça, militares da reserva farão um seminário no Rio para defender a anistia.

(O Globo - Sinopse Radiobrás)

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Tortura: Tarso defende punição (Tribuna da Imprensa)


Ministro da Justiça diz que violadores dos direitos humanos agiram fora da ordem do próprio regime militar

BRASÍLIA - O ministro da Justiça, Tarso Genro, defendeu a punição de militares, policiais e agentes do Estado que tenham praticado tortura, assassinatos e violações dos direitos humanos durante o regime militar (1964-1985). No entender do ministro, essas práticas constituem crimes comuns, e não crimes políticos, e por isso, seus autores não podem ser beneficiados pela anistia de 1979.

Tarso fez as declarações no Ministério da Justiça ao abrir uma audiência pública que teve por objetivo analisar a definição de responsabilidades civis e criminais, de agentes do Estado que mataram e praticaram torturas no período governado pelos militares.

Para ele, os violadores dos direitos humanos agiram fora da ordem do próprio regime. "A partir do momento em que o agente do Estado pega o prisioneiro e o tortura num porão, ele sai da legalidade do próprio regime militar e se torna um criminoso comum. Não foi um ato político. Ele violou a ordem jurídica da própria ditadura e tem que se responsabilizado", explicou.

Segundo Tarso, a anistia brasileira, ao contrário da África do Sul e outras partes do mundo, não resultou de uma ruptura, mas de uma "transição conservadora". Por isso, a seu ver, a nossa anistia "não foi um ponto de chegada, mas um ponto de partida do processo de reconciliação nacional". A idéia da audiência, que tem por tema "Limites e Possibilidades para Responsabilização Jurídica dos Agentes Violadores de Direitos Humanos durante o Estado de Exceção no Brasil", é reavaliar os marcos legais da medida.

Ele disse que a punição dos torturadores e assassinos não é "revanchismo" do governo, e sim parte de uma discussão democrática e necessária. "O povo e o governo que têm vergonha têm de fazê-la (a discussão), sem se incomodar com insinuações de pequenos blogs que nos acusam de revanchismo. É uma discussão de fundo sobre as instituições da República e o futuro da democracia", declarou. "É uma análise que deve ser balizada na visão universal da responsabilização do agente que extravasa o mandato que o Estado lhe confere e comete tortura", explicou.

Segundo Tarso, os agentes que "sujaram as mãos" devem ser tratados sem nenhum privilégio. "Essa gente, que entrou em uma casa à noite cumprindo um mandado superior, que realizou uma prisão ilegal mas que a realizou dentro das normas do regime autoritário, e levou o prisioneiro para um local de interrogatório, até esse momento, estava de acordo com o regime vigente e, por esse ato, não pode ser responsabilizado. Mas, a partir do momento em que esse agente pega o prisioneiro, leva para um porão e o tortura, ele saiu da própria legalidade do regime militar", condenou.

Para o ministro, o debate acerca da responsabilização de agentes públicos é "muito significativo" pois, durante todo o período do regime militar, não havia nenhuma norma legal que permitisse atos de tortura. "Essa discussão é democrática. Não são as Forças Armadas que estão em jogo aqui. Não é a postura dos comandantes, dos presidentes ou dos partidos que apoiaram o regime militar. Estamos discutindo o comportamento de um agente público dentro de uma estrutura jurídica."