segunda-feira, 27 de maio de 2013

Cartas de Geisel a Videla mostram elos da Operação Condor

Presidente João Goulart  - autor: Zero Hora
Presidente João Goulart - autor: Zero Hora
Jorge Videla cumpriu o papel que dele se esperava na Operação Condor, o pacto terrorista que há 27 anos ocupou um capítulo importante na agenda argentina com o Brasil. O ditador Ernesto Geisel recebeu de bom grado a “nova” política externa do processo de reorganização nacional (e internacional), tal como se lê nos documentos, em sua maioria secretos, até hoje, obtidos pela Carta Maior.
Carta Maior


“Foi com a maior satisfação que recebi, das mãos do excelentíssimo senhor contra-almirante César Augusto Guzzetti, ministro de Relações Exteriores, a carta em que Sua Excelência teve a gentileza de fazer oportunas considerações a respeito das relações entre nossos países...que devem seguir o caminho da mais ampla colaboração”.

A correspondência de Ernesto Beckman Geisel dirigida a Videla exibe uma camaradagem carregada de adjetivos que não era característico desse general, criado numa família de pastores luteranos alemães.

“O Brasil, fiel a sua História e ao seu destino irrenunciavelmente americanista, está seguro de que nossas relações devem basear-se numa afetuosa compreensão...e no permanente entendimento fraterno”, extravasa Geisel, o mesmo que havia reduzido a quase zero as relações com os presidentes Juan Perón e Isabel Martinez, quando seus embaixadores na Argentina pareciam menos interessados em visitar o Palácio San Martin do que frequentar cassinos militares, trocando ideias sobre como somar esforços na “guerra contra a subversão”.

A carta de Geisel a Videla, de 15 de dezembro de 1976, chegou a Buenos Aires dentro de uma “mala diplomática”, não por telefone, como era habitual. No documento consta “secreto e urgentíssimo”, ao lado dessa nota.

Em 6 de dezembro de 1976, nove dias antes da correspondência de Geisel, o presidente João Goulart havia morrido, em seu exílio de Corrientes, o qual, de acordo com provas incontestáveis, foi um dos alvos prioritários da Operação Condor no Brasil, que o espionou durante anos na Argentina, no Uruguai e na França, onde ele realizava consultas médicas por causa de seu problema cardíaco.

Mais ainda: está demonstrado que, em 7 de dezembro de 1976, a ditadura brasileira proibiu a realização de necropsia nos restos do líder nacionalista e potencial ameaça, para que não respingassem em Geisel a parada cardíaca de origem incerta.

Não há elementos conclusivos, mas suspeitas plausíveis, de que Goulart foi envenenado com pastilhas misturadas entre seus medicamentos, numa ação coordenada pelos regimes de Brasília, Buenos Aires e Montevidéu, e assim o entendeu a Comissão da Verdade, da presidenta Dilma Rousseff, ao ordenar a exumação do corpo enterrado na cidade sulista de São Borja, sem custódia militar, porque o Exército se negou a dar-lhe há 10 dias, depois de receber um pedido das autoridades civis.

Carta

Geisel escreveu em resposta a outra carta, de Videla (de 3 de dezembro de 1976), na qual ele se dizia persuadido de que a “Pátria...vive uma instância dinâmica no plano das relações internacionais, particularmente em sua ativa e fecunda comunicação com as nações irmãs”.

“A perdurável comunidade de destino americano nos assinala hoje, mais do que nunca, o caminho das realizações compartilhadas e a busca das grandes soluções”, propunha Videla, enterrado junto aos crimes secretos transnacionais sobre os quais não quis falar perante o Tribunal Federal N1, onde transita o mega processo da Operação Condor.

Os que estudaram essa trama terrorista sul-americana sustentam que ela se valeu dos serviços da diplomacia, especialmente no caso brasileiro, onde os chanceleres teriam sido funcionais aos imperativos da guerra suja. Portanto, esse intercâmbio epistolar enquadrado na diplomacia presidencial de Geisel e Videla, pode ser lido como um contraponto de mensagens cifradas sobre os avanços do terrorismo binacional no combate à resistência brasileira ou argentina. Tudo em nome do “interesse recíproco de nossos países”, escreveu Videla.

Em dezembro de 1976, 9 meses após a derrubada do governo civil, a tirania argentina demonstrava que, além de algumas divergências geopolíticas sonoras com o sócio maior, havia de fato uma complementariedade das ações secretas “contra a subversão”. Assim, pouco após a derrubada de Isabel Martínez, o então chanceler brasileiro e antes embaixador em Buenos Aires, Francisco Azeredo da Silveira, recomendou o fechamento das fronteiras para colaborar com Videla, para impedir a fuga de guerrilheiros e militantes argentinos.

Por sua parte, Videla, assumindo-se como comandante do Condor celeste e branco, autorizava o encarceramento de opositores brasileiros, possivelmente contando com algum nível de coordenação junto aos adidos militares (os mortíferos “agremiles”) destacados no Palácio Pereda, a mansão de linhas afrancesadas onde tem sede a missão diplomática na qual, segundo versões, havia um número exagerado de armas de fogo.

Entre março, mês do golpe, e dezembro de 1976, foram sequestrados e desaparecidos na Argentina os brasileiros Francisco Tenório Cerqueira Júnior, Maria Regina Marcondes Pinto, Jorge Alberto Basso, Sergio Fernando Tula Silberberg e Walter Kenneth Nelson Fleury, disse o informe elaborado pelo Grupo de Trabalho Operação Condor, da Comissão da Verdade. O organismo foi apresentado por Dilma perante rostos contidamente iracundos dos comandantes das Forças Armadas, os únicos, entre as centenas de convidados para a cerimônia, que evitaram aplaudi-la.

Ao finalizar o ato realizado em novembro de 2011, o então secretário de Direitos Humanos argentino Eduardo Luis Duhalde, declarava a este site que um dos segredos melhor guardados da Operação Condor era a participação do Brasil e a sua conexão com a Argentina, e que essa associação delituosa só será revelada quando Washington liberar os documentos brasileiros com a mesma profusão com que liberou os documentos sobre a Argentina e o Chile.

Pistas diplomáticas

Averiguar até onde chegou a cumplicidade de Buenos Aires e Brasília será mais difícil depois do falecimento de Videla, mas não há que se subestimar as pistas diplomáticas.

Em 6 de agosto de 1976, um telefonema “confidencial” elaborado na embaixada brasileira informa aos seus superiores que o ministro de Relações Exteriores Guzzetti falou sobre a “nova” política externa vigente desde que “as forças armadas assumiram o poder” e a da vocação de aproximar-se mais do Brasil, após anos de distanciamento.

Ao longo de 1976, os chanceleres Azeredo da Silveira e Guzzetti mantiveram reuniões entre si e com o principal fiador da Condor, Henry Kissinger que, segundo os documentos que vieram a público há anos a pedido do “Arquivo Nacional de Segurança” dos EUA, recomendou a ambos ser eficazes na simulação no trabalho de extermínio dos inimigos.

“Nós desejamos o melhor para o novo governo (Videla)...desejamos seu êxito...Se há coisas a fazer, vocês devem fazê-las rápido...”, recomendou o Prêmio Nobel da Paz estadunidense, ao contra-almirante e chanceler Guzzetti, em junho de 1976.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Videla e a natureza das reais ditaduras

A morte do general argentino Jorge Rafael Videla, um dos pró-homens da ideologia de Segurança Nacional, implantada pelos Estados Unidos na quase totalidade da América Latina, nos anos 60, 70 e 80, conduz à reflexão do que é realmente uma ditadura e o terrorismo de Estado contra as vozes críticas. Quando a gente verifica a grande mídia, que inspirou e patrocinou  todas essas ditaduras, qualificar de ditatoriais regimes progressistas e populares, como os de Hugo Chávez, Cristina Kirchner e Evo Morales, tem a ideia de como os fatos são distorcidos para atender seus eternos interesses e privilégios. O professor emérito de Direito da USP, Fábio Konder Comparato, se debruça sobre o tema neste artigo no site da Carta Capital.

(ASCOM FC) "A Argentina conheceu dois períodos de regime político militar, na segunda metade do século XX. O primeiro deles transcorreu de 1966 a 1973 e foi instalado com um golpe de Estado, que derrubou o presidente eleito. Os militares aboliram a Constituição da República e assumiram todos os poderes, passando a governar sem leis e sem controle do Poder Judiciário. Houve vários atos de repressão violenta aos oponentes políticos e à classe estudantil universitária, considerada altamente subversiva. O país voltou ao regime civil em 1973, quando se realizaram eleições para Presidência da República.

Em 1976, porém, houve novo golpe de Estado com a retomada do poder pelos militares. Dessa vez, instituiu-se um verdadeiro regime de terrorismo de Estado, sendo afastada toda interferência do Poder Judiciário nas ações dos militares. Os presos por razões políticas eram sistematicamente torturados. Estima-se que 30 mil foram mortos pelos agentes do regime (grande parte deles jogada com vida no mar), e que 1,2 milhão de argentinos tiveram de fugir do país. Comprovou-se, ainda, que centenas de crianças recém-nascidas tiveram a identidade trocada, após o assassinato de seus pais, e foram entregues a estranhos, que os registraram como seus filhos.

Cessado o segundo regime militar, os dois primeiros governos civis resolveram decretar uma anistia de todos os crimes cometidos pelos militares, entre 1976 e 1983.
Em 2005, a Suprema Corte de Justiça da Argentina julgou, porém, essa anistia inconstitucional. Iniciaram-se então os processos criminais contra os militares. Até agora, 244 foram condenados a penas de prisão, dos quais os dois presidentes durante o segundo regime militar. Jorge Videla morreu na sexta-feira 17, aos 87 anos. Reynaldo Bignone segue encarcerado, cumprindo pena de prisão perpétua.
No Brasil, ao contrário da Argentina, os militares que tomaram o poder em 1964 resolveram manter em vigor a Constituição anterior ao golpe, com a supressão de alguns artigos a respeito da proteção das liberdades individuais. Em 1967, os militares editaram, por meio do Congresso Nacional, uma nova Constituição, com as mesmas restrições da anterior. Tais Constituições, na verdade, só existiam como mera fachada, a fim de encobrir a realidade da concentração do poder supremo nas mãos da corporação militar.


Os presos pelos agentes policiais, por ordem dos militares, ficavam meses na prisão, antes de ser aberto um processo criminal. Este transcorria perante a Justiça Militar, não perante a Justiça Civil.
No Brasil, entre 1964 e 1985, a repressão aos opositores políticos, embora menos profunda que na Argentina, produziu um número de vítimas não igualado sob nenhum outro governo do passado.
Segundo a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça, comprovaram-se oficialmente até hoje 361 casos de assassínios e desaparecimentos (isto é, mortos cujo cadáver não foi encontrado), durante o regime. Vários outros casos estão sob análise, sobretudo daqueles dados como desaparecidos.
Calcula-se que 50 mil foram presos, grande parte deles torturada durante a prisão, alguns até a morte. Por outro lado, 7.367 opositores políticos foram processados criminalmente perante a Justiça Militar, 130 banidos do território nacional e 4.962 demitidos do serviço público por serem considerados inimigos do regime.

Em 1979, os chefes militares decidiram preparar sua saída do poder e resolveram fazer uma lei de anistia que os tornasse impunes pelos crimes cometidos. Essa lei foi aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada em 28 de setembro daquele ano.
Ora, enquanto na Argentina a Suprema Corte de Justiça anulou a Lei de Anistia promulgada logo após o retorno dos civis ao poder em 1986, no Brasil o Supremo Tribunal Federal decidiu, em abril de 2010, que a lei de 1979 aplicava-se aos agentes do nosso regime, que haviam assassinado ou torturado oponentes políticos.
Todavia, em novembro daquele mesmo ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou por unanimidade o Estado Brasileiro por “graves violações de direitos humanos” durante a repressão à chamada Guerrilha do Araguaia, movimento que contava com cerca de 80 combatentes, instalados às margens do Rio Araguaia, no chamado Bico do Papagaio, na divisa dos estados do Pará, Maranhão e Goiás (à época; hoje Tocantins). A maior parte dos guerrilheiros foi executada sumariamente pelos militares e seus corpos até hoje não foram encontrados. A comissão também declarou nula a lei de anistia de 1979.
Em primeiro lugar, porque os crimes de terrorismo de Estado (assassínio e tortura de presos políticos) não são suscetíveis de anistia. Em segundo, porque se tratou de uma autoanistia, ou seja, os próprios criminosos no poder se anistiaram.

O Brasil até hoje não acatou essa decisão internacional.
Nesse meio-tempo, algumas vítimas do regime, ou seus familiares, decidiram ingressar em juízo com ações civis, isto é, ações que não objetivam a condenação penal contra o Estado brasileiro, mas de determinados torturadores notórios daquele regime, como o coronel Brilhante Ustra, que comandou um cárcere onde foram mortos vários presos. Todas essas ações foram acolhidas pelo Poder Judiciário.
Entre as prováveis causas da diferente reação provocada pelos regimes no Brasil e na Argentina estão a longa escravidão legal de africanos e afrodescendentes no Brasil e o espírito de conciliação na vida política. No Brasil, último país ocidental a abolir a escravidão, em 1888, os escravos não eram apenas trabalhadores no campo e nas cidades, mas serviam como empregados domésticos, até mesmo em casas de famílias pobres. Em razão disso, a escravidão marcou até hoje os nossos costumes sociais e a nossa mentalidade coletiva.


É preciso salientar que os escravos eram sistematicamente torturados, tendo sido mesmo inventados, além dos açoites, vários instrumentos de tortura. Exemplos: a colocação do escravo ou da escrava (até mesmo quando grávida), no tronco, um caixote de madeira retangular, do tamanho do corpo humano, com um buraco para a cabeça e outro para os pulsos.
Essas práticas repressivas acabaram por ser aceitas pela população brasileira em geral como um tratamento normal a ser aplicado aos negros e pobres, quando suspeitos de algum delito. Ou seja, um velho costume que explica a frequente ocorrência de torturas nas delegacias de Polícia, quando o detido é da classe pobre.
Mas, de modo geral, a escravidão firmou até hoje, em nossa mentalidade coletiva, um comportamento de subserviência. Como diz o ditado popular: “Quem pode manda, e obedece quem tem juízo”.
A Argentina conheceu uma escravidão de índios, mas incomparavelmente menos abrangente e de menor duração.
Quanto ao espírito de conciliação, os partidos políticos brasileiros, embora tendo programas de ação diversos, não costumam se distinguir entre si por posições bem marcadas e atuações contrastantes.
No Império, salvo as rebeliões da Regência e a Guerra dos Farrapos, os grupos dirigentes – grandes proprietários rurais, comerciantes, militares e a Igreja Católica – sempre se ajustaram entre si. Durante todo o período imperial, houve dois partidos que se revezaram no governo: o conservador e o liberal. Os adeptos do primeiro eram apelidados de “saquaremas” e os do segundo de “luzias”. Dizia-se, então, que “nada mais igual a um saquarema do que um luzia no poder”.
Durante a República, excetuando-se o período turbulento dos primeiros anos no Sul (Revolução Federalista), e o período imediatamente anterior e posterior à Revolução de 1930, os partidos políticos sempre tenderam à conciliação. O golpe de Estado de 1964 irrompeu quando os grupos dirigentes de sempre se assustaram com a aparente guinada à esquerda das classes médias e dos sindicatos operários, representados pelo Partido Trabalhista.
A anistia aos criminosos militares em 1979 foi aprovada por boa parte da classe política conservadora, que desejava voltar ao poder sem melindrar os militares.
Já na Argentina, as posições políticas sempre foram bem marcadas e contrastantes, jamais se tendo pensado em conciliação entre os extremos".
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quarta-feira, 22 de maio de 2013

Comissão da Verdade estuda pedir punição a agentes da ditadura

DE BRASÍLIA
 
A Comissão Nacional da Verdade estuda incluir em seu relatório final uma recomendação que possibilite a responsabilização de agentes públicos ligados a crimes na ditadura militar (1964-1985).
Hoje, autores de mortes, torturas e desaparecimentos não podem ser punidos porque o STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou que esses crimes estão cobertos pela Lei da Anistia.
Além disso, a comissão foi constituída sem caráter punitivo. Mas membros do grupo não acham que o assunto esteja resolvido.
Paulo Sérgio Pinheiro, por exemplo, já afirmou que o Brasil tem de cumprir a decisão da Corte Interamericana dos Direitos Humanos sobre o desaparecimento de ao menos 62 pessoas na Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970.
O órgão entendeu que a anistia não tinha valor jurídico em relação a essas violações aos direitos humanos e determinou que o Estado brasileiro puna os responsáveis.
A opinião de Pinheiro é a mesma de outros membros do grupo, mas não está claro como tratar a questão.
Uma opção seria recomendar ao Judiciário que mandasse executar a sentença da corte internacional.
As recomendações da comissão não geram obrigação legal, mas têm peso político. A presidente Dilma Rousseff tem dado apoio ao colegiado. Militares, porém, acham que nada vai mudar. (JOÃO CARLOS MAGALHÃES)

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Coronel Ustra! Josias de Souza


- Charge do Aroeira, via O Dia.