terça-feira, 24 de março de 2009

"Herzog humilhado antes de ser morto", copyright Correio Braziliense, 17/10/04

AS FOTOS DE VLADO
Rudolfo Lago e Erica Andrade

em 19/10/2004


"Antes de ser assassinado no Doi-Codi de São Paulo, órgão de repressão do regime militar, o jornalista Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura, sofreu humilhações. Três fotos entregues pelo ex-cabo do Exército José Alves Firmino à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados registram o sofrimento de Herzog, que foi torturado e morreu nas dependências do II Exército. ‘É ele mesmo. É o Vlado. Eu não tinha visto uma foto dele vivo na prisão’, reconheceu emocionada Clarice Herzog, viúva de Vladimir. ‘É horrível vê-lo assim, ainda mais em um situação sofrendo tanto constrangimento’, disse a viúva do jornalista, chocada.

As fotos estavam esquecidas nos arquivos da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, entre os documentos retirados dos arquivos do Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) por José Alves Firmino. Possivelmente, as fotografias foram tiradas na sede do órgão, na rua Tutóia, em São Paulo, ou em um sítio usado para sessões de tortura na periferia da cidade. Centenas de militantes do antigo Partido Comunista Brasileiro, dentre eles os jornalistas Paulo Markun e Rodolfo Konder, foram presos em São Paulo e barbaramente torturados. A onda de prisões de militantes do PCB, que se estendeu a todo o país, foi a resposta da linha-dura do Exército à vitória do MDB nas eleições de 15 de novembro de 1974.

Na noite do dia 24 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog foi à sede do Doi-Codi em São Paulo para prestar esclarecimentos sobre a sua atividade política. Diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, Herzog era filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas não era um dos quadros de direção do partido. Herzog não sairia vivo do cárcere. No dia seguinte ao assassinato, seu corpo foi apresentado à imprensa pendurado a uma grade pelo pescoço, atado a um cinto. A grade à qual o cinto estava preso era bem mais baixa que a altura do jornalista. Apesar disso, a informação oficial era de que Vladimir Herzog havia se suicidado. Quando o Shevra Kadisha (comitê funerário judaico; Herzog era judeu) foi preparar o corpo para o enterro, o rabino notou sinais de tortura. O suicídio tinha sido forjado.

A onda de seqüestros e assassinatos, apesar da repercussão da morte de Herzog, prosseguiu com a mesma intensidade até o assassinato de outro militante do PCB, o operário metalúrgico Manoel Fiel Filho, em 17 de janeiro de 1976, em circunstâncias semelhantes à morte de Herzog. O episódio provocou a demissão do comandante do II Exército, Ednardo D’Ávila Melo, pelo presidente Ernesto Geisel, mas não impediu o endurecimento do regime, com o fechamento do Congresso e cassações de parlamentares em abril de 1977.

Antes de Clarice reconhecer Herzog na fotografia, na manhã de sábado, o Correio entrou em contato com pessoas que o conheciam bem: o jornalista Paulo Markun e o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). Ambos acharam grande a semelhança entre o homem da foto e Herzog. Paulo Markun era chefe de reportagem da TV Cultura. Trabalhava ao lado de Vladimir Herzog. Autor do livro Vlado — Retrato de um homem e de uma época, Markun analisou as fotos: ‘Ele de fato tinha essa altura. As mãos são parecidas. Os cabelos. O nariz, não sei. É muito parecido. A única coisa que estranho são as circunstâncias dessas fotos.’

O deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), um dos principais ativistas de direitos humanos do país, acha que as fotos podem ter sido feitas fora da sede do Doi-Codi paulistano. Impressão semelhante tem o secretário de Direitos Humanos da Presidência, Nilmário Miranda. Ambos afirmam que o Doi-Codi tinha celas com grades, não quartos, o que havia em um aparelho da repressão na periferia conhecido com Sítio 31 de Março. ‘Ali, na sede do Doi-Codi, era possível aos demais presos ver quem entrava e saía. Quando se queria matar alguém, eles levavam para um sítio na periferia, conhecido como Sítio 31 de Março. Lá tinha uma casa com quartos, como esse das fotos’, diz Greenhalgh.

O jornalista Genivaldo Matias, preso no mesma ocasião, foi torturado durante 15 dias no Doi-Codi. Quando foi sequestrado, Genivaldo dividia o apartamento com o líder da juventude comunista José Montenegro de Lima (Magrão), dirigente do PCB assassinado depois do sequestro e integrante das listas de ‘desaparecidos’ — não se sabe até hoje o paradeiro de seu corpo.

Genivaldo conta que os presos no Doi-Codi, antes de ir para o pau-de-arara ou a cadeira do dragão, onde recebiam choques elétricos, obedeciam a um ritual. As pessoas chegavam, tiravam a roupa e eram obrigadas a usar um capuz. ‘Depois disso, eles nos colocavam sentados em um banco e nos faziam esperar’, disse. A estratégia incluía esses momentos prévios de angústia, nos quais cada um ‘esperava a sua hora’, lembra Genivaldo.

Herzog ficou preso por apenas uma noite. Embora o tempo tenha sido curto, não é impossível que Herzog pudesse ser retirado do Doi-Codi e levado para ser interrogado em outro lugar. E que nesse lugar tenha morrido e, mais tarde, colocado de volta na cela, no suicídio simulado.

Para Greenhalgh e Nilmário Miranda os arquivos revelam a violência da repressão contra os movimentos de esquerda. Em outra foto do arquivo entregue por José Alves Firmino aparece um homem morto, identificado como Nelson Francisco de Oliveira. As fotos estão coladas em folhas de papel, com legendas. Em uma delas, o morto aparece de corpo inteiro ao lado de um pedaço de pau. Na legenda: ‘Foto da vítima no local do crime em decúbito ventral. Ao lado, a arma do crime’. Em outras duas fotos, closes do rosto. De sua boca, escorre uma grossa espuma, que desce por sua barba até o pescoço."


Milton Coelho da Graça

"Matéria que tem de ser lida", copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 18/10/2004

"As trágicas fotos do inesquecível companheiro Vladimir Herzog numa cela, em São Paulo, minutos antes de ser assassinado por militares, reativam nossas consciências para os crimes cometidos pela ditadura entre 1964 e 1976 e o dever de defender o regime democrático. O ‘furo’ do Correio Braziliense (apenas assinantes têm acesso à matéria na íntegra no site do Correio), acompanhado por outros jornais Associados, neste sábado (16/10), revelando fotos e documentos que o Estado Maior das Forças Armadas insiste em esconder da opinião pública, dá uma enorme contribuição à frágil memória do país em relação à sua História.

Nenhum jornalista pode deixar de ler a história completa das revelações feitas pelo cabo do Exército José Alves Firmino, que durante anos viveu infiltrado em partidos de esquerda e decidiu procurar a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, depois de ficar leproso e não ter a assistência do Exército que julgava merecer.

Para quem não conhece toda a história: Vlado, como era conhecido pela família e por seus companheiros, apresentou-se ao DOI-CODI na manhã de sábado, 24 de outubro de 1975. Fora procurado na véspera, na TV-Cultura, às 7 da noite, por agentes da repressão política. Diante dos protestos de seus companheiros de trabalho e da própria direção da emissora, os militares aceitaram o comparecimento voluntário de Vlado ao DOI-CODI na manhã seguinte, garantindo que ele não sofreria violências.

Ele morreu asfixiado por uma bola de sal que os torturadores, além de espancá-lo, enfiaram em sua garganta. Tentando ocultar o crime, simularam um suicídio por enforcamento.

Por favor, não deixem de ler e divulgar, por todas as formas possíveis, a matéria do Correio Braziliense. Só a completa revelação dos erros e crimes cometidos pelos militares de ontem poderá convencer esta e as futuras gerações de que a lição foi aprendida e os militares tornaram-se, sem qualquer dúvida, guardiães dos direitos dos cidadãos.

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A matéria que não quiseram fazer

A mulher mais rica do Iraque, Alawi, foi ao QG americano queixar-se de que estava sendo vítima de extorsão por funcionários do governo iraquiano, por não esconder que era simpatizante de Saddam Hussein.

Os americanos decidiram prendê-la, acusá-la de terrorista e a colocaram na prisão de Abu Ghraib durante sete meses, juntamente com uma irmã e um irmão, que morreu depois de ser torturado.

Depois do escândalo internacional, os americanos decidiram retirar todas as mulheres presas em Abu Ghraib e Alawi foi libertada em 19 de julho deste ano.

Se algum de vocês fosse repórter em Bagdá acharia isso uma boa pauta e iria entrevistar Houda al-Azzawi? Pelo jeito, entre as dezenas de jornalistas da grande imprensa americana e britânica no Iraque, nenhum achou que valeria a pena. E só agora lemos a matéria feita pela repórter Cécile Hennion, do jornal francês Le Monde, reproduzida pela FOLHA deste sábado (16/2), página 2 do caderno Mundo.

É muito difícil acreditar nessa omissão da grande imprensa americana. E é possível que, pelo menos parcialmente, a história de Azzawi seja cascata. Mas a hipótese mais forte é de que seja mais um veemente indício de autocensura ‘patriótica’ ou submissão total às regras da censura militar."


Valdo Cruz e Kennedy Alencar

"Caso Herzog abre crise entre Lula e Defesa", copyright Folha de S. Paulo, 19/10/2004

"A divulgação de fotos que supostamente mostram o jornalista Vladimir Herzog momentos antes de sua morte provocou ontem uma crise entre o Palácio do Planalto e o Ministério da Defesa.

A nota oficial sobre as fotos em que o jornalista, apresentado como suicida em 25 de outubro de 1975, aparece nu em uma cela sob custódia do Exército fez crescer um mal-estar que já havia sido desencadeado na semana passada.

Na sexta-feira, o comandante da Missão da ONU de Estabilização no Haiti, o general brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira, relacionou a onda de violência em Porto Príncipe a declarações do candidato democrata John Kerry em favor do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, que deixou o país em fevereiro após protestos e um levante armado.

Ontem, antes de embarcar para Curitiba, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou o ministro José Viegas (Defesa) para pedir explicações. Segundo assessores do presidente, ele avalia que os dois casos passam a impressão de que Viegas não tem autoridade sobre o Exército.

Lula ficou particularmente irritado com o teor da nota do Exército, que em sua avaliação tem um estilo elogioso às práticas adotadas durante o regime militar contra militantes de esquerda.

Segundo Lula, o tipo de manifestação do general Heleno não poderia ser dada sem consultas ao governo brasileiro, especialmente ao ministro da Defesa. O comandante se retificou ontem, dizendo que foi mal interpretado.

Depois da cobrança de Lula, Viegas informou que iria conversar com o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, para saber quem havia decidido publicar a nota sobre Herzog. Viegas estava disposto a divulgar outra nota, dessa vez da Defesa, mas não o fez ontem.

O texto do Exército, divulgado em resposta à notícia publicada no domingo pelo ‘Correio Braziliense’ sobre as fotos de Herzog ainda vivo e em condições humilhantes, diz que ‘as medidas tomadas pelas Forças Legais foram uma legítima resposta à violência dos que recusaram o diálogo, optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade e tomaram a iniciativa de pegar em armas e desencadear ações criminosas’.

Assessores de Lula avaliaram que esse trecho foi elaborado como se o país ainda estivesse sendo comandado pelos militares, o que ele considera inadmissível. Outro trecho do texto divulgado que irritou o presidente é o que afirma que ‘o movimento de 1964, fruto de clamor popular, criou, sem dúvidas, condições para a construção de um novo Brasil, em ambiente de paz e segurança’.

A situação de Viegas no governo é delicada. Sua demissão é tida como certa na reforma ministerial que Lula deve promover após o segundo turno das eleições.

Os dois episódios envolvendo o Exército podem apenas reforçar a decisão do presidente de tirá-lo do ministério, ainda que ele não tenha tido participação direta nos episódios. Viegas pode ser substituído pelo ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política).

Hoje, na reunião da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o deputado Chico Alencar (PT-SP) pretende propor que o Comando do Exército seja interpelado sobre o teor da nota oficial, que ele considera ‘obscurantista’."

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"Mulher de jornalista afirma que o reconheceu em uma das fotos", copyright Folha de S. Paulo, 19/10/2004

"Três fotos inéditas que seriam do jornalista Vladimir Herzog, nu em uma cela sob custódia do Exército, foram divulgadas no final de semana. Apresentado como suicida pelo regime, Herzog teria sido fotografado horas antes de sua morte, em 25 de outubro.

O material esteve guardado por seis anos na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e anteontem foi divulgado pelo jornal ‘Correio Braziliense’.

A viúva de Herzog, Clarice, reconheceu uma das fotos na semana passada. Disse que as outras duas deixavam dúvidas, mas não descartou a possibilidade de todas serem retratos do jornalista.

Também foi divulgado um documento com a ‘contabilidade’ da carceragem. É o primeiro relatório tornado público no qual o Exército assinala a morte de 47 pessoas na sede do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna), na rua Tutóia (São Paulo). O documento deverá ser requisitado pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência.

Os documentos teriam sido entregues à Câmara dos Deputados pelo ex-cabo José Alves Firmino, no final do ano de 1997. Servindo na Subseção de Operações do Comando Militar do Planalto, Firmino chegou a se infiltrar em partidos de esquerda após o fim do regime militar (1964-1985).

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Mário Heringer (PDT-MG), divulga hoje todo o conjunto de outros papéis obtidos por Firmino.

Ontem, o Centro de Comunicação Social do Exército não respondeu às perguntas feitas pela Folha. Em resposta ao ‘Correio’, o mesmo órgão divulgou nota informando que todos os ‘documentos históricos’ referentes ao período ‘foram destruídos em virtude de determinação legal’.

Ao analisar as fotos, a viúva de Herzog, Clarice, reconheceu apenas uma delas, em que parte do rosto aparece. Nas outras duas, optou pela cautela. Disse que o homem parece com Herzog, mas não poderia ser conclusiva.

Em 1978, Clarice conseguiu que a Justiça responsabilizasse a União pela morte do jornalista. Pioneira na luta pela anistia no Brasil, Clarice recebeu do governo uma reparação de R$ 100 mil.

Amigo de Herzog, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) reconhece que o homem retratado nas fotos é muito parecido com o jornalista, mas não foi conclusivo: ‘A pessoa que aparece nas fotos parece muito com o Vlado, mas não sei dizer se é ele’.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que também conheceu Herzog, limitou-se a classificar as fotos como ‘terríveis’.

O ministro Nilmário Miranda (Direitos Humanos) divulgou nota repudiando a tortura. ‘O sacrifício de Vladimir Herzog provocou uma grande onda de repúdio à tortura no Brasil. A divulgação da hipótese de suicídio gerou uma revolta e uma comoção inéditas no país. Foi, sem dúvida, um importante marco na luta contra a tortura. Paradoxalmente, a morte brutal do jornalista representou o início do fim de cinco séculos da marcha tenebrosa da tortura no nosso país e, assim, salvou muitas vidas’, diz um trecho da nota."

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"Leia a íntegra da nota divulgada pelo Exército", copyright Folha de S. Paulo, 19/10/2004

"Leia a nota do Centro de Comunicação Social do Exército:

‘1. Desde meados da década de 60 até início dos anos 70 ocorreu no Brasil um movimento subversivo, que, atuando a mando de conhecidos centros de irradiação do movimento comunista internacional, pretendia derrubar, pela força, o governo brasileiro legalmente constituído.

À época, o Exército brasileiro, obedecendo ao clamor popular, integrou, juntamente com as demais Forças Armadas, a Polícia Federal e as polícias militares e civis estaduais, uma força de pacificação, que logrou retornar o Brasil à normalidade. As medidas tomadas pelas Forças Legais foram uma legítima resposta à violência dos que recusaram o diálogo, optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade e tomaram a iniciativa de pegar em armas e desencadear ações criminosas.

Dentro dessas medidas, sentiu-se a necessidade da criação de uma estrutura, com vistas a apoiar, em operação e inteligência, as atividades necessárias para desestruturar os movimentos radicais e ilegais.

O movimento de 1964, fruto de clamor popular, criou, sem dúvidas, condições para a construção de um novo Brasil, em ambiente de paz e segurança. Fortaleceu a economia, promoveu fantástica expansão e integração da estrutura produtiva e fomentou mecanismos de proteção e qualificação social. Nesse novo ambiente de amadurecimento político, a estrutura criada tornou-se obsoleta e desnecessária na atual ordem vigente. Dessa forma, e dentro da política de atualização doutrinária da Força Terrestre, no Exército brasileiro não existe nenhuma estrutura que tenha herdado as funções daqueles órgãos.

2. Quanto às mortes que teriam ocorrido durante as operações, o Ministério da Defesa tem, insistentemente, enfatizado que não há documentos históricos que as comprovem, tendo em vista que os registros operacionais e da atividade de inteligência da época foram destruídos em virtude de determinação legal. Tal fato é amparado pela vigência, até 08 de janeiro de 1991, do antigo Regulamento para a Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS), que permitia que qualquer documento sigiloso, após a acurada análise, fosse destruído por ordem da autoridade que o produzira, caso fosse julgado que já tinha cumprido sua finalidade.

Depoimentos divulgados pela mídia, de terceiros ou documentos porventura guardados em arquivos pessoais não são de responsabilidade das Forças Armadas.

3. Coerente com seu posicionamento, e cioso de seus deveres constitucionais, o Exército brasileiro, bem como as forças co-irmãs, vêm demonstrando total identidade com o espírito da Lei da Anistia, cujo objetivo foi proporcionar ao nosso país um ambiente pacífico e ordeiro, propício para a consolidação da democracia e ao nosso desenvolvimento, livre de ressentimentos e capaz de inibir a reabertura de feridas que precisam ser, definitivamente, cicatrizadas. Por esse motivo considera os fatos como parte da história do Brasil.

Mesmo sem qualquer mudança de posicionamento e de convicções em relação ao que aconteceu naquele período histórico, considera ação pequena reavivar revanchismos ou estimular discussões estéreis sobre conjunturas passadas, que a nada conduzem.’"

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"Para comissão, não há ‘ambiente’ para apuração", copyright Folha de S. Paulo, 19/10/2004

"O presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, o advogado João Luiz Duboc Pinaud, disse que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não está estimulando a apuração rigorosa de casos pendentes, citando como exemplo o do jornalista Vladimir Herzog.

‘Pressão das Forças Armadas não detecto. Eu não sinto é ambiente favorável em nível ministerial a uma apuração rigorosa dos casos... Há mais uma falta de instrumentalização’, disse Pinaud em entrevista à assessoria de imprensa da OAB (Ordem dos Advogados o Brasil), entidade da qual faz parte. A entrevista foi divulgada pelo órgão.

Ele afirmou que deixará o cargo se essa situação não mudar.

O secretário especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, disse, por meio da assessoria, que respeita as críticas de Pinaud, mas as considera sem fundamento."

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"Jornalista morreu sob tortura em outubro de 1975", copyright Folha de S. Paulo, 19/10/2004

"O jornalista Vladimir Herzog foi morto em 25 de outubro de 1975 nas dependências do DOI-Codi de São Paulo. Naquela época, Herzog era diretor de jornalismo da TV Cultura.

Na noite do dia 24 de outubro, agentes dos serviços de inteligência foram à TV Cultura convocar o jornalista para prestar depoimento sobre suas ligações com o PCB (Partido Comunista Brasileiro). Ele prometeu comparecer, na manhã do dia seguinte, ao quartel da rua Tutóia. A proposta foi aceita. Seu depoimento foi uma sessão de tortura. Dois jornalistas presos com ele confirmaram o espancamento. Herzog morreu nesse mesmo dia.

Segundo a versão oficial, Herzog se enforcou na cela com um cinto do macacão de presidiário. O médico-legista Harry Shibata foi responsável pelo laudo necroscópico que sustentava a tese de suicídio. A solução apresentada não era muito original: segundo Elio Gaspari (‘A Ditadura Encurralada’), tratava-se do 38º suicida do regime militar e o 18º a matar-se por enforcamento.

A Sociedade Cemitério Israelita rejeitou a versão apresentada pelos militares e decidiu não enterrar o jornalista na ala destinada aos suicidas: ‘Vi o corpo de Herzog. Não havia dúvidas de que ele tinha sido torturado e assassinado’, declarou o rabino Henry Sobel. No dia 31 de outubro de 1975, foi realizado um culto ecumênico em memória de Herzog na Catedral da Sé, do qual participaram 8.000 pessoas, num protesto silencioso contra o regime.

Três anos depois, em 1978, a Justiça responsabilizou a União por prisão ilegal, tortura e morte do jornalista. Em 1996, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos reconheceu que Herzog foi assassinado no DOI-Codi de São Paulo e decidiu conceder uma indenização para sua família.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Magistrados defendem punição de torturadores (Tribuna da Imprensa)

BRASÍLIA - O ministro da Justiça, Tarso Genro, recebeu ontem do presidente da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil), Mozart Pires, moção em defesa da punição dos agentes do Estado que praticaram tortura durante o regime militar (1964-1985). O presidente da Comissão de Anistia, que é ligada ao Ministério da Justiça, Paulo Abrão, disse que essa reação é fundamental para buscar a responsabilização dos crimes de tortura ocorridos na ditadura.

Em um dos trechos do documento, a associação diz que "não concebemos uma leitura da Lei de Anistia que abrigue excludentes de responsabilidade dos agentes que praticaram crimes contra a humanidade no período da ditadura militar". Segundo Pires, a legislação não pode ser uma espécie de "guarda-chuva para os torturadores".

"Ao meu juízo, esta é uma das mais importantes manifestações ocorridas até agora sobre o tema. Nós, juristas, sabemos o quanto é raro os advogados e juízes criarem consenso em torno de uma tese, o que reforça que, do ponto de visto eminentemente jurídico e técnico, que está correta a interpretação de que a Lei de Anistia não anistiou torturadores", disse Abrão.

De acordo com Pires, a AMB estuda a possibilidade de ingressar como co-autora com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) da ação no STF que requer que os casos de tortura sejam definidos como crimes comuns e não políticos.

"Cabe agora ao STF, como guardião da Constituição, cumprir o seu papel histórico, tal qual todos os demais países civilizados, no empenho contra os 30 anos de impunidade", afirmou o presidente da Comissão de Anistia.

A discussão sobre responsabilização dos crimes de tortura, ocorridos ao longo do período militar, gerou polêmicas e divisões no governo federal. Para Tarso e o ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), é fundamental retomar o debate. Já o ministro Nelson Jobim (Defesa), com apoio dos comandantes militares, defendeu que a discussão fosse encerrada.

Para evitar controvérsias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou a todos os integrantes do governo federal que evitassem tratar publicamente do tema, deixando que a questão seja definida na Justiça. A ação tramita na Suprema Corte.

quarta-feira, 11 de março de 2009

"Eu sou um produto da dura, a branda não conheci", diz Dilma

da Folha de S.Paulo, em Brasília

A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) criticou ontem o termo "ditabranda" em seminário sobre mulheres no poder. No final da palestra, na qual se definiu como "uma mulher dura, cercada por homens meigos", disse: "Sou produto da dura. A branda não conheci".

"Muitos ainda chamam a ditadura de ditabranda. Uma inversão absurda da questão relativa a qualquer processo de restrição de liberdade, de prisões. Não interessa se são dois, se são cem, se são mil", disse ela, sem citar a Folha.

O termo, usado em editorial publicado pela Folha no dia 17 de fevereiro para caracterizar o regime militar brasileiro (1964-1985), recebeu críticas, entre elas as dos professores Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato.

Em nota publicada no domingo, o diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, avaliou que o jornal errou ao usar a expressão "ditabranda", mas reiterou sua crítica à indignação seletiva de intelectuais de esquerda em relação a regimes autoritários.

"Para se arvorar em tutores do comportamento democrático alheio, falta a esses democratas de fachada mostrar que repudiam, com o mesmo furor inquisitorial, os métodos das ditaduras de esquerda com as quais simpatizam", afirma o texto do diretor de Redação.

Dilma disse que durante a ditadura foram reprimidas manifestações culturais, sendo preciso levar em conta não apenas "o aspecto da tortura e da morte, [mas] também o aspecto da restrição absoluta à liberdade".

A ministra lembrou que, durante o regime militar, houve tratamento indiscriminado a homens e mulheres no quesito repressão. "A violência que bate em Pedro, bate em Maria. Basicamente foi isso que aconteceu."

Dilma militou em organizações da luta armada a partir dos anos 60, foi presa em 1970 e torturada.

terça-feira, 3 de março de 2009

Ação pede que torturadores restituam a União (Tribuna da Imprensa)

SÃO PAULO - Ação civil proposta ontem pelo Ministério Público Federal pede responsabilização de sete ex-agentes da repressão para que, solidariamente, restituam aos cofres públicos o valor que a União pagou a título de indenização à família do operário Manoel Fiel Filho, morto em 1976 nas dependências do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão do antigo II Exército.

A ação, entregue à 7ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, pede a declaração de omissão da União e também do Estado de São Paulo no cumprimento de suas obrigações de "investigar as circunstâncias e os responsáveis pela prisão ilegal, tortura e morte de Fiel".

É a primeira ação em que é pedida a responsabilização do Estado, sob argumento de que todas as pessoas citadas são servidores estaduais que atuavam no DOI, aliado ao fato de que repartições da administração estadual - Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e Instituto Médico Legal -, teriam dado apoio àquela unidade militar. "A inclusão do Estado no polo passivo é questão jurídica, setores policiais a ele vinculados contribuíram com o funcionamento do DOI, acobertando crimes contra a humanidade", assevera Marlon Alberto Weichert, procurador regional da República. Também é requerida a cassação da aposentadoria dos servidores.

Um grupo de seis procuradores, com larga atuação na defesa de direitos humanos, subscreve a ação: Alberto Marlon, Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, Adriana da Silva Fernandes, Luciana da Costa Pinto, Luiz Fernando Gaspar Costa e Sérgio Gardenghi Suiama. Querem que a Justiça condene a União e o Estado a incluírem a divulgação da morte de Fiel "em equipamento público permanente destinado à memória da violação de direitos humanos durante o regime militar".

Os alvos dos procuradores são um tenente e dois soldados da Polícia Militar que integravam as fileiras do DOI, dois delegados do DOPS e um perito e um médico-legista do Estado "que participaram da simulação da versão de suicídio para justificar a morte de Fiel". Eles pleiteiam que os réus devolvam ao Tesouro R$ 438,7 mil, atualizado monetariamente e acrescido de juros moratórios desde junho de 1997, data do pagamento à viúva, Thereza de Lourdes Martins Fiel, com quem Fiel teve duas filhas.

Metalúrgico, Fiel trabalhava na Metal-Arte Indústrias Reunidas, em São Paulo. Na manhã de 16 de janeiro de 1976, acusado por outro preso político de receber exemplares do jornal 'Voz Operária', do PCB, foi detido por dois agentes do DOI e levado ao destacamento, à Rua Tomás Carvalhal, Paraíso. No outro dia, aos 49 anos, Fiel apareceu morto na cela.

O inquérito policial militar concluiu que o operário havia se suicidado, "por autoestrangulamento, mediante o emprego de um par de meias, atadas com um nó".

Em 1979, Thereza ganhou ação de indenização contra a União, que tentou defender a legalidade da prisão de Fiel com fundamento no AI-5.